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Desafio à inteligência não é artificial

O crime e a sociedade de bem vivem numa constante dialética – o famoso enfrentamento dos opostos tão caros à filosofia de Hegel. Infelizmente, os criminosos geralmente estão à frente. É deles o primeiro golpe, a tese. Aos cidadãos de bem e à polícia, resta a antítese, a solução para o problema posto.

 

Tanto na perpetração de crimes físicos quanto, mais recentemente, no uso das novas tecnologias, tem sido assim. Quem não se lembra das travas de volante usadas para impedir que ladrões de carro não fizessem ligações diretas de 30 anos atrás ou mesmo a falsificação de uniformes ou crachás de fiscais governamentais usada para invadir prédios?

 

No âmbito digital, o uso da inteligência criminosa “escalou”, para usar a palavra da moda. Desde quando os bancos passaram a usar a Internet, aplicativos e sistemas digitais, o antigo assalto transmutou-se em crime eletrônico. Estima-se que as perdas dos bancos com fraudes digitais beiram os R$60 bilhões anuais, valor muito superior aos dos roubos tradicionais ou do estouro de caixas eletrônicos pelos novos cangaceiros que aterrorizam pequenas cidades brasileiras.

 

Agora, chegou a vez da Inteligência Artificial. Os novos softwares turbinados por computadores de alta performance são capazes de escrever textos e produzir imagens. Também usam a chamada machine learning, a capacidade de um programa ‘aprender’ com a quantidade de dados que processo.

 

A IA é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que facilita a vida ao permitir a análise rápida de dados e a criação de cenas maravilhosas no cinema, a tecnologia permite criar fotos para pedófilos e criminosos fabricando imagens das vítimas para fins sexuais hediondos, como foi o caso de mais de 40 meninas de colégios de elite no Rio de Janeiro e no Recife, no ano passado. É o deep fake, operado pela Dark Web em transações internacionais de difícil rastreamento.

 

O Estado não pode ficar atrás. Felizmente, passos importantes estão sendo dados. Uma ferramenta criada por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais tem ajudado a Polícia Federal a avaliar com mais precisão e rapidez milhares de fotos, vídeos e desenhos de abuso sexual infantil apreendidos em operações naquele Estado. O que demandava exaustivos dias de análise humana, pode ser ser feito em algumas horas, sob a supervisão dos peritos.

 

Iniciativas como a da UFMG precisam ser amplificadas, principalmente na análise de dados e imagens. Em São Paulo, por exemplo, temos o Smart Sampa, com previsão de 20 mil câmeras instaladas na Cidade, pelas quais é possível cruzar imagens e dados e permitir a identificação de criminosos, pessoas desaparecidas e que necessitam de acolhimento.

 

É uma iniciativa a ser ampliada, para todo o Estado. Não se quer aqui invadir a privacidade nem ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) com a comercialização dessas informações.

 

Pelo contrário, o imperativo categórico posto pelos fatos é a proteção da sociedade. Por isso, além de mais câmeras, é preciso um sistema de IA que indique padrões de comportamento das pessoas nas ruas e emita alertas para situações que evidenciem situações suspeitas.

 

É algo que precisa ser encampado pela cidade de São Paulo, e pelo governo estadual da mesma forma que as autoridades financeiras, capitaneadas pelo Banco Central, devem usar da IA para impedir a lavagem de dinheiro e o uso de recursos ilicitos no financiamento do crime organizado e terrorismo.

 

O desafio que se impõe é de como as autoridades devem vencer a incompetência natural de lidar com as novas tecnologias em favor da sociedade e contra o crime. A velocidade nas respostas é a melhor solução.

 

Roberto Monteiro é delegado da Polícia Civil de São Paulo